Há uns dias, num sábado de manhã e por questões de serviço, tive que ir à esquadra da Reboleira. Como a situação que motivou a minha ida demorou mais do que aquilo que eu havia esperado, começou a ficar tarde para ir até à minha casa em Rio de Mouro/Sintra, fazer o almoço, comê-lo e, claro, arrumar a cozinha.
Assim, resolvi almoçar mesmo por ali, algures no concelho da Amadora. Escolhi um restaurante na Brandoa, que é dirigido por uns indianos e que, ouvira dizer, fazem um churrasco de frango “à maneira”, com um picante daquele que… ui!!!
Cheguei ao restaurante. Sentei-me. Levava comigo o CD From Elvis in Memphis, que tinha no carro e, assim, sempre podia ir lendo o booklet enquanto esperava pela comida.
Na sala, um rádio ia tocando música dos anos 50 e 60. Devia ser o RCP (103.4 MHz).
— Então o que vai comer? – O rapaz passou-me o cardápio.
— Pode ser o frango.
— Meio?!
— Sim.
— E o que bebe?
— Ei? E que tem a ver com isso? Também já lhe perguntei qual a marca de cuecas que usa?!
— Cuecas?! Olhe lá, quem lhe disse que eu uso cuecas? Eu uso ceroulas, ouviu? Agora não, que está frio e uso boxers – retorquiu ele.
— Ah! – respondi – boxers… por ser inverno?!
— Você é um urso!!!
— Eu um urso? De pelúcia?
— Sim, pode ser. Você é um verdadeiro urso de peluche. Daqueles bem grandes.
Caraças, nunca me tinham chamado isso. Entretanto aproximou-se outro indiano, que devia ser o pai do primeiro. Olhou-me, arregalou os olhos e disse:
— Você é um verme e, de certeza, veio para aqui a rastejar.
— Isso é que era bom. Olhe aqui – mostrei-lhe o livrete do meu carro – está a ver esta matrícula? Vá lá fora, inócuo (lembrei-me deste nome por causa de um texto que vinha num livro da minha escola primária). Está lá o carro onde me fiz transportar para aqui!
— O quê? Inócuo, eu?! (Este também não devia saber o que significa a palavra inócuo. Mas, pelo menos, não disse inoque). – Chamem já a Polícia!
— O quê, vão chamar a bófia!? Porquê, eu não me neguei a pagar. Ainda nem comi! Vão-me acusar de burla?
Lá chamaram a Polícia. Passados quinze minutos chegou um carro patrulha com dois agentes.
— Quem pediu a Polícia? – perguntaram os agentes.
— Fui eu – disse o indiano pai.
Neste momento falei eu.
— Polícia? Não é necessário. A Polícia já cá está – e mostrei a minha carteira profissional.
— Ah! Chefe, está aí? Você toma conta disto? – perguntou um agente.
— Claro, afinal não estamos sempre de serviço?! O senhor não se importa que eu tome conta da ocorrência? – perguntei ao indiano.
— Bem, se o senhor é Polícia, já podia ter dito. Tinha sido desnecessário este tempo perdido à espera deles.
Os meus colegas, depois de advertirem que se alguém quisesse apresentar queixa se deveria dirigir a uma esquadra e que tinha seis meses para o fazer, despediram-se e foram-se embora.
— Afinal o quê que se passa? – perguntei ao indiano.
— Ora, foi você que me chamou um nome horrível, de que nem me lembro.
— Hum…! Só isso?!
— Aproximadamente.
Neste momento, o RCP (acabei por confirmar que era esta a rádio) começou a tocar o tema Good Luck Charm, do Elvis.
— Alto! Alto! Alto! Parem o barulho. Deixem ouvir o Rei – gritei eu.
Neste momento, os cerca de 18 ou 24 mirones que se haviam acumulado, não sei ao certo quantos, calaram-se.
— Quem está a cantar? – perguntou o indiano filho.
— É o Elvis – disse eu – este aqui – e, orgulhoso, mostrei o From Elvis in Memphis.
— É pá, você não quer pagar o almoço com esse disco? – perguntou-me a cozinheira, também indiana.
— Pode ser – disse eu após alguma relutância momentânea. Entreguei-lhe o disco. Foram logo pô-lo no leitor de cd. Assim se passaram mais uns quinze minutos, comigo a explicar as histórias dalgumas das canções.
De repente, lembrei-me – É lá! Eu vim aqui para almoçar. Quero o meu frango. E para beber, uma Super Bock.
— Olhe amigo, lamento mas a cozinha fechou há dez minutos. Já não servimos almoços.
Olhei para o relógio; eram 15H10.
Preparei-me para ir embora. Afinal tinha que ir almoçar (vulgo lanchar) a casa. Quando já ia quase ao pé da porta ofereceram-me um pão saloio. Era o último que eles tinham. Ia pegar nele mas lembrei-me que Portugal era agora (em substituição dos EUA) a terra das oportunidades, uma verdadeira Promised Land. Por isso recusei o pão. Mas começaram a ficar zangados e, como ia recomeçar tudo de novo, levei o pão.
Quando acordei, comecei a rir, aliviado. Tinha sido um sonho.
Fui à cozinha e vi lá um pão saloio.
— Alto lá! Quando é que eu fui comprar pão? Já não compro pão desde Quarta-Feira.
Então fui procurar o meu álbum preferido do Elvis, mas não estava lá. Sabia que não o tinha emprestado a ninguém; fui ao tal restaurante, onde encontrei os tais indianos do suposto sonho. Perguntei-lhes pelo disco, começaram a rir e disseram que nunca me tinham visto. Sabiam lá do que eu falava!
Na segunda-feira, por acaso, passei na Esquadra da Brandoa. A tripulação do carro patrulha eram os dois agentes do sonho.
— Chefe, então como resolveu a ocorrência do restaurante indiano?! – perguntou-me um dos agentes.
— Ag… hã?! Eu… Sei lá!!!
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PS – Já fui a uma grande superfície e comprei novamente o álbum From Elvis in Memphis.